Publicado em 1900, logo após a morte do escritor, A Ilustre Casa de Ramires é uma obra da fase em que o português José Maria de Eça de Queirós (1845-1900) retomava as pazes com seu Portugal querido. São duas narrativas que se mesclam. A primeira é a trajetória de um fidalgo português, Gonçalo Mendes Ramires, cujo destino se confunde com o de Portugal na busca de ressurgir moralmente após a decadência. A segunda é uma novela, escrita pelo protagonista, para narrar os feitos heroicos da própria família, a partir de seus antepassados, que servem de arcabouço para sua ascensão.
A trama se passa no fim do século 19, um dos períodos mais traumáticos da história portuguesa, quando, com o Ultimato de 1890, a Inglaterra exigiu que Portugal se retirasse de suas possessões na África. Xenofobia e comoção pública foram o resultado da ordem acatada, a mesma revolta que se apossa do protagonista, o jovem Gonçalo Mendes Ramires.
Representante de uma nobreza falida econômica e moralmente, ele procura meios mais fáceis de arranjar a vida. A política é a saída. Ao mesmo tempo, escreve uma novela histórica sobre seus heroicos antepassados, que o acaba contaminando no decorrer do livro e incitando-o a retomar seu prestígio e dinheiro. À medida que a narrativa transcorre, Ramires vai incorporando a honra e a dignidade de seus ancestrais, acaba empreendendo uma viagem à África e, depois de reconstruir as finanças, retorna a Portugal.
Metáfora do que queria Eça de Queirós de sua nação - que suplantasse o sentimento arraigado de derrota diante das imposições do passado e da Inglaterra e retomasse sua posição de antigo império poderoso, exatamente o tom da terceira fase da produção de escritor.
Eça tem uma obra com três fases nítidas. A primeira é mais próxima do espírito romântico. Já a segunda segue princípios realistas e naturalistas e é marcada por críticas ácidas à sociedade e à burguesia portuguesas, quando, por exemplo, o autor ingressa num grupo de intelectuais que se designavam os Vencidos da Vida - sentimento de derrota que é fruto da consciência do fracasso de suas ideias críticas diante da realidade portuguesa.
A terceira fase é tomada por um abrandamento da crítica e por um desejo de reconciliação com Portugal, fase em que se encontra A Ilustre Casa de Ramires, reconhecida por uma idealização do passado português e por certo "conservadorismo" ideológico, o mesmo que o fez produzir hagiografias (biografias de santos), fase oposta ao espírito crítico de sua produção anterior.
A Ilustre Casa de Ramires tem um estilo textual que acompanha os meandros da narrativa, entre uma linguagem arcaizante e antiga e traços de oralidade, ao retratar dois mundos no interior de uma mesma nação: ora um Portugal do século 12, da Idade Média, com seu povo heroico e seu passado de glórias, ora um reino de feições modernas, que enfrenta o presente com pragmatismo. Ambas as épocas são vividas na aldeia de Santa Irineia e analisadas a partir da torre dos Ramires, nobre mansão medieval que serve de ligação entre esses dois tempos NESTE LIVRO.