Uma barata fêmea fica quase permanentemente grávida. Cada uma carrega até quarenta ovos, que são capazes de germinar mesmo depois do falecimento da mãe.
Lá está ela, num canto da sua cozinha, saboreando restos de gordura que encontrou sabe-se lá como. (Afinal, sua cozinha é superlimpa.) Você chega quieto, na ponta dos pés, e prepara o chinelo.
No que o golpe é armado, a barata sai chispando e se enfia num buraco que parecia menor que ela. Você dá de cara com o óbvio: matar uma barata é muito difícil.
Como ela fugiu? Para entender, vamos voltar a cena. Aproxime-se conosco do monstrinho. As antenas, compostas de 130 segmentos cada uma, esfregam-se nervosamente na comida velha para sentir seu cheiro – sim, as hastes são o nariz do bicho. O que seria o queixo dela tem uns dedos finos chamados palpos que agarram cada pedacinho do almoço antes de enfiá-lo na boca. Os palpos sentem o gosto. Graças a eles o monstrengo fica sabendo se o prato é bom antes de botá-lo para dentro.
Nesse momento surge você, havaiana na mão, sorriso sádico nos lábios, certo de que vai acabar com aquele banquete insolente. Você faz a pontaria. Pausa. Vamos acionar a câmera lenta. O chinelo balança e desloca um pouquinho de ar. A brisa mínima viaja até o canto da cozinha e empurra sutilmente dois pelinhos que o inseto tem no traseiro, chamados cercis.
O balanço dos cercis é transformado em um sinal nervoso e a informação chega em centésimos de segundo ao gânglio, uma espécie de cérebro que fica nas costas. Volta outro impulso, a jato, direto para as seis patas fininhas e cheias de espinhos, que começam a correr. Não passou nem meio segundo e a cascuda já sabe o tamanho do inimigo, sua velocidade e sua localização exatas. Em um instante, esquece o petisco, olha para o predador frustrado – o instinto informa a ela que você, quem diria, estava para comê-la – e vai procurar um esconderijo. Seu esqueleto é flexível como plástico e se entorta todo para que ela entre pela fenda no azulejo.
Pronto. Voltemos à velocidade normal do filme. Não tem mais barata nenhuma ao alcance do chinelo. Ela venceu. De novo.
A capacidade de a barata “ler” o vento usando um tipo de biruta no traseiro é o tema de um artigo que saiu em maio na prestigiosa revista inglesa Nature. Dois biólogos do instituto de pesquisas da empresa de informática NEC mediram os impulsos elétricos que circulam pela barata e descobriram que os pelinhos são capazes de perceber movimentos sutis do ar e de dar ao bicho informações detalhadas sobre a ameaça que se aproxima. “Isso explica os reflexos ultra-rápidos”, diz o americano Hanan Davidowitz, um dos biólogos da NEC, cujo trabalho consiste em entender melhor o sistema nervoso de insetos para futuras aplicações em robôs.
Mas o sofisticado sensor de vento é só uma das armas desse tanque de guerra. Vamos atrás dela, na fenda do azulejo, para conhecer um pouco mais do seu superorganismo. Silêncio agora. Os ouvidos do monstrinho são absurdamente apurados, tão sensíveis que detectam até os passos de outra barata. Não dá para enxergar nada aqui dentro, não é? Pois cuidado: a barata está vendo você. É que nossos olhos têm apenas uma lente – o cristalino –, enquanto os dela possuem 2 000. “Elas enxergam mesmo quando quase não há luz”, diz o entomologista José Henrique Guimarães, do Instituto Biológico de São Paulo.
Agora prepare-se. Vamos livrar o mundo desse bicho nojento. É só um inseto, não pode ser difícil matá-lo. Para ajudar, consideremos que você tenha conseguido capturá-la. Que tal arrancar uma pata? Não dá resultado. Ela parece nem ligar. Membros perdidos crescem de novo em poucos dias. Vamos radicalizar então. Faça de conta que é um personagem de um filme do Tarantino. Arranque a cabeça da imunda. Ela continuará vivinha da silva. É que seu sistema nervoso fica espalhado pelo abdômen. Nem a guilhotina resolve. Um monstro decapitado como esse pode sobreviver por semanas até morrer de fome, porque não tem mais boca para comer.
Bom, não nos resta outro remédio senão uma bela chinelada. Você ainda está com aquela havaiana do começo da matéria? PLÁÁ! Bata outra vez, mais forte. A carcaça de quitina é dura como pedra, não vai quebrar fácil assim. PLÁÁÁ. Pronto, parece que agora morreu. Não, veja, ela ainda mexe as patas, agonizante. Bata de novo, caso contrário ela sara em alguns dias. O poder de recuperação da lazarenta é incrível. PLÁÁÁÁ!
Agora foi. Morreu. É bom tirá-la daí ou ela vai apodrecer e pode atacar a saúde de quem mora por perto. Segundo o alergista Júlio Croce, da Universidade de São Paulo, os detritos das baratas causam pneumonia, alergias e infecções respiratórias. Tape o nariz. Chegue mais perto. Está vendo esse líquido branco? Dizem que, bem temperado, ele tem gosto de camarão. (Os aborígines da Austrália e uma tribo na Tailândia apreciam o quitute.) A gosma é gordura.
É aqui que o animal guarda as reservas de nutrientes que vão alimentar as células quando faltar comida. Misturados com a meleca, há algumas dezenas de ovos, e a maioria deles está inteiro. Ou seja: você esmaga uma e dá à luz dezenas.
Fonte: Super Interessante